quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Uma “Igreja” Rica Com Membros Pobres


Washington Cruz

O advento do neo-pentecostalismo veio consolidar, novamente, a união da “Igreja” com o Estado/Mercado. Mesmo não sendo oficializada, esta união é claramente percebida quando a liturgia tem se tornado algo comercial, um produto a ser consumido pelos fiéis. A prática do culto a Deus tem dado lugar a pratica do “assistir ao culto”, tornando o culto um objeto de consumo onde o consumidor pode ou não ficar satisfeito com o produto, gerando assim uma lei de oferta e procura por igrejas que se enquadrem ao perfil do cliente. Com isso o numero de distorções bíblicas, com malabarismos exegéticos para melhor adaptar a Palavra de Deus ao gosto do freguês, tem se tornado alarmante. Se antes o protestantismo brasileiro, especialmente o pentecostalismo tradicional, tirava as pessoas do mercado de consumo, tornando a abnegação dos produtos “mundanos” como a televisão, roupas da moda, produtos de beleza... como padrão de santidade; agora a tônica das instituições contemporâneas é: “consuma o quanto puder; afinal, você é filho do Rei e merece o melhor” (e isso engloba o consumir o culto também). Ora, o que é essa lógica pseudo-teológica senão uma união com o Estado/Mercado, colaborando com ele para o bom desenvolvimento do sistema capitalista/consumista/predatório?
         Esta nova teologia, na melhor das hipóteses, gera riqueza para as “igrejas” adeptas a ela, mesmo prometendo riqueza aos fiéis, pois a arrecadação de tais instituições é tão suntuosa que torna seus líderes, naturalmente, já que a regência do governo fica por conta do mercado, os governantes, direta ou indiretamente, da nação. Não é raro encontrarmos “representantes evangélicos” nos altos escalões do governo ou assumindo a concessão de emissoras de TV ou Rádio, tendo assim, poder para manipular as massas.
         Mas sempre há os que enriquecem através dos ensinamentos destas instituições. Neste caso cabe lembrar que “o fruto do trabalho é o dinheiro e não o dinheiro semente para colher mais dinheiro como é ensinado na teologia da prosperidade”; portanto, as palestras motivacionais ministradas nestas instituições são de grande valia para os que querem ser bem sucedidos financeiramente. Mas deve-se lembrar do ensinamento de Jesus: “Não podeis servir a dois senhores; não podeis servir a Deus e a Mamon (riquezas)” (Mateus 6:24). Neste caso há uma implicação prática, de caráter sócio-ambiental, no acúmulo de riquezas.
         Pouca importância se dá a pratica do acúmulo de bens materiais, quanto ao seu caráter pecaminoso, nas instituições da atualidade. Deve-se considerar o desequilíbrio sócio-ambiental que esta prática promove; e se ela afeta a estrutura sócio-ambiental, automaticamente estará prejudicando toda a criação[1]. Neste caso deve-se considerar o que é o pecado em termos filosóficos: “é tudo aquilo que fazemos que venha a prejudicar a nós mesmos, ao nosso semelhante ou a toda a criação”. Basta analisarmos todo o livro da lei e chegaremos à conclusão de que a lei mosaica dizia respeito a práticas de higiene, saúde, preservação do meio ambiente, relacionamentos pessoais e de Deus com o homem, gerando uma harmonia entre Deus, o homem e o meio ambiente. Ora, a prática do consumismo exacerbado gera um descontrole sócio-ambiental de proporções catastróficas (sem tomar de exageros), pois os dados deste desequilíbrio estão disponíveis à população de forma não acessível, levando em consideração que as informações só são veiculadas em mídias de difícil acesso, ou seja, as informações são veiculadas ou diretamente pelo interlocutor sem ter um meio impresso ou eletrônico de informação ou são acessíveis apenas por meio da internet, a qual apenas uma minoria, especialmente em se tratando de paises subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, tem acesso. Deve-se considerar também a problemática da cultura do “não-importar-se-com-o-problema”, gerada, exatamente, pela mentalidade individualista disseminada pelo Estado/Mercado em parceria com a Igreja/Mercado, fazendo com que as pessoas não busquem tais informações, ou quando são expostas a elas questionem-nas como sensacionalistas e inverídicas, já que ao que se dá crédito são às informações de massa que, para população, parecem ser a realidade, pois são aceitas pela maioria.
         Um dos problemas ambientais mais assustadores é o efeito estufa ou aquecimento global e um dos principais agentes deste desequilíbrio é uso dos automóveis. Hoje os automóveis chegam, em algumas capitais, principalmente no Brasil, a compreender quase o mesmo número de habitantes! Em Curitiba, capital do Paraná, por exemplo, há uma frota de um milhão de automóveis para uma população de um milhão e setecentas mil pessoas. No entanto tem-se pregado nos púlpitos que os filhos do Rei merecem andar de carro zero ao andar de ônibus lotado; então os “filhos do Rei” tornam-se cada vez mais participantes da destruição do planeta, não levando em conta o que diz a Bíblia: “...E iraram-se as nações, e veio a tua ira, e o tempo dos mortos, para que sejam julgados, e o tempo de dares o galardão aos profetas, teus servos, e aos santos e aos que temem o teu nome a pequenos e a grandes, e o tempo de destruíres os que destroem a Terra.”. (Apocalipse 11:18).
         Mas se o desequilíbrio fosse somente o ambiental não seria tão ruim, porém é de ordem social também. Como o sistema é regimentado pelo mercado, e o mercado é o que detém as riquezas ele não vai querer dividir sua fatia do bolo; logo, aquele que muito tem, rouba daquele que pouco tem, mesmo inconscientemente, gerando o conhecido desequilíbrio do “poucos com muito e muitos com pouquíssimo”. Quando digo que roubam inconscientemente, é por que não vêem nenhum mal em aplicar as regras injustas do mercado, já que é “natural” que todos as pratiquem.

         Mesmo em meio a essa mentalidade opressora, individualista e predatória, há um remanescente – sempre há um remanescente, pois a Igreja de Jesus continuará viva e atuante neste planeta até que Ele venha – que não se curva às idéias dominantes. São aqueles que continuam lutando pela preservação da vida em todos os âmbitos, seja no material, no espiritual ou no intelectual, não separando o indivíduo em partes distintas, ignorando uma e dando extrema importância à outra. São cristãos que lutam pela preservação da vida anunciando o evangelho da salvação e da libertação sem se contaminarem com o sistema corrupto deste mundo.


[1] Porque sabemos que toda a criação a um só tempo geme e suporta angustias até agora – Romanos 8:22

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