domingo, 20 de novembro de 2011

QUIÇÁ SI?


Como Nasce Um Saci

No princípio o Criador de Todas as Coisas criou todas as coisas. E criou todas as criaturas: homens, animais, curupiras, lobisomens, elfos, hobts... e sacis.

Conta-se que o saci nasce de estouros de bambus em noites de tempestades.
No entanto isso não é verdade. Conta-se também que o primeiro saci nasceu de uma escrava que engravidara de seu senhor. Também não é verdade. De uma flauta de bambu é que nasceu o primeiro saci. Depois de ter criado toda a flora, viu o Primeiro e o Ultimo que dos talos de bambu podia-se tirar música – Ele é muito apreciador de música, criou todas as coisas e todas as criaturas de inimagináveis e maravilhosas músicas. Quando começou a soprar e produzir doces melodias da flautinha, de sua ponta começou a sair uma fumacinha. Conforme a música ia se tornando mais dramática a forma de um negrinho ia se formando da fumaça: cabeça, ombros, tronco... perna. Sabe que um filete de fumaça é só um filete, não dois. Não se pode, de apenas um ponto de filete de fumaça, sair dois filetes de fumaça! Portanto, perna. Uma só. Como de fumaça se foi criado, de fumaça de um cachimbo sua personalidade timbrada.

Toda fumaça é livre e inaprisionável, assim também é o Saci. Não só é livre como deseja que toda criatura também assim o seja. Não que todos tenham sido criados presos, não, não, não! Todos foram criados livres! Mas algo de errado aconteceu em determinado ponto da história que fez com que os seres criados livres se tornassem escravos. Escravos de quem? De sua própria ganância. Ganância é o demônio. Esta coisa, que não se pode chamar de criatura, essa coisa que faz com que queiramos sempre mais, e mais, e mais... e tudo ao mesmo tempo já! Querendo tudo sem limites, o que é natureza começa a ser transformado; dela começa a ser extraída a matéria prima para a criação de coisas. Mas coisas não são criaturas, são apenas coisas. E os homes, deteriorados pela ganância, adoram ter coisas. Mas para se obter matéria prima e delas se obter coisas é preciso muito trabalho. E de sua ganância criou-se o trabalho. E querendo mais, e sempre mais, seu trabalho começou a se tornar insuficiente. Mas como obter mais trabalho? E da ganância nasceu a exploração: alguns poucos homens escravizaram muitos outros homens para lhes roubarem ou até mesmo comprarem os seus próprios trabalhos!
Como os sacis se multiplicaram muito sobre a Terra começaram a proteger, especialmente, as matas. No entanto ao observarem as sandices humanas, na ansiedade por liberdade universal, os sacis passaram a praticar toda a sorte de traquinagem com eles a fim de chamarem a atenção para suas vidas de liberdade.


O Gorro do Saci

Até em torno de mais ou menos uns dois mil anos atrás os sacis não usavam nada sobre as suas cabeças. Então, certo saci que vivia nos arredores de Jerusalém conheceu um homem que também, assim como ele, ansiava pela liberdade de todos. Este homem era discípulo do próprio Criador de Todas as Coisas, que havia se tornado homem para mostrar aos homens como serem livres. O nome desse discípulo era Tiago, conhecido popularmente por São Tiago. Este tal saci era da espécie saçurá, e vivia a fazer travessuras pelas casas de Jerusalém. Mas um dia ele entra na casa onde vivia São Tiago e antes que começasse a bagunçar suas coisas o ouviu escrevendo (ele falava o que escrevia; um cacoete que tinha).

“Ai de voz ricos opressores que obrigam as pessoas a venderem suas forças de trabalho a vocês, e por ela pagam uma mixaria! O Princípio e o Fim de todas as coisas há de lhes castigar!”[1]

São Tiago ouviu um barulho na cozinha, barulho de panelas.
“Mas o que bagunça é essa! Só pode ser um saci.”
            Desta vez o saci saçurá, fez bagunça com um outro objetivo: chamar a atenção de São Tiago e se mostrar a ele. Ninguém até então avia visto um saci.

            — Misericórdia, mas que bagunça você fez! – Havia panelas espalhadas por toda a cozinha, panelas que estavam cheias de comidas. Comida espalhada por todo lado.
            — O que você estava escrevendo?
            — Nada. Apenas rabiscando uns papiros.
            — Preciso da sua ajuda.
            — E quem vai me ajudar a arrumar essa bagunça?
Num instante um redemoinho entrou pela janela e o saci pulou dentro dele. O Vendo do redemoinho levantou tudo o que havia na cozinha; assim que foi embora tudo estava no seu devido lugar.

            — Puxa! Você é rapidinho.
            — Escuta, preciso que publique isto que você escreveu.
            — Mas eu só tava falando comigo mesmo, reclamando de tanta injustiça nesse mundo.
            — Mas se você ficar “reclamando calado”, ninguém vai saber que tanta injustiça deve acabar. E os ricos continuarão achando que não há nada de mais em explorar as pessoas.
            — Bom, e como eu faço para publicar meus pensamentos?
            — Envie em forma de cartas a todas as pessoas que você conhece; envie para as comunidades de seguidores do Criador de Todas as Coisas para que eles passem esta mensagem a outras pessoas e assim toda a Terra será cheia dessa sua indignação.

            Enquanto São Tiago refletia nas palavras do saci, o danado roubou a touquinha que escondia a careca do apóstolo e fugiu pela janela. Desde então o saci passou a usá-la em memória dos pensamentos do apóstolo São Tiago. E como os outros sacis vissem aquilo começaram a imitá-lo, coisa de saci.


O Saci e a Mais Valia

            Como os sacis vivem muitos anos – na verdade centenas de anos! Este mesmo saci que se encontrou com o apostolo São Tiago, deu de zanzar pela Alemanha em meados do século IXX e eis que entra na casa de um certo Karl. Estava este a divagar – assim como o apóstolo, só que sem escrever – sobre o modelo econômico da época.
            “Na medida em que é abolida a exploração de um indivíduo por outro, é abolida também a exploração de uma nação por outra. Com o desaparecimento do antagonismo das classes no interior das nações, desaparece também a posição de hostilidade entre as nações.”[2]     

Nesse instante Karl ouve um assovio ensurdecedor. Era o saci, encostado na ombreira da porta dando um assovio de admiração pelas palavras daquele barbudão.
— Ah! É você seu pestinha, veio aprontar comigo?
— Nada disso seu moço, quer dizer, até iria aprontar, mas ouvindo essas palavras magníficas de liberdade, mudei de idéia.
— Estava repassando um discurso que pretendo fazer a alguns operários de uma fábrica de sapatos.
— sobre o que trata tal discurso?
— Sobre a mais valia.
— E agora, não vale mais?
— Não seu pestinha! Não é isso. Mais Va-li-a. É o lucro que o patrão tem com a exploração, ou seja, com a “compra” do trabalho dos operários. Sabe, todo produto tem um determinado valor de custo, e isso inclui o salário pago aos operários, o que excede esse valor é o lucro para o patrão. Ou seja o fruto do trabalho do operário é repartido com o patrão, e a maior parte fica com este!
— Mas isso é um desaforo!
— Sim, sim, é claro!
Pendurada na parede havia uma bandeira vermelha com uma foice e um martelo desenhada. O saci saçurá, que além de arteiro é curioso, quis saber o que significava.
— É a bandeira que representa os trabalhadores – disse Karl.
— E porque é vermelha.
— Bom, é a luta, o sangue dos trabalhadores...
           
            Antes que o jovem e barbudo Karl pudesse dizer mais alguma coisa sentiu um vento, que balançou seus cabelos e barbas, e não viu mais o saci. Voltou-se para a bandeira, mas esta já não estava mais na parede... Desde então todos os poucos outros que viram sacis por aí dizem que ele usa um gorro vermelho (antes era camurça).

            De lá para cá muitos tentaram aplicar as idéias de Karl para melhorar a vida das pessoas, porém a maioria esqueceu-se de São Tiago e de seu mestre, achando até que eles eram inimigos. Também pudera, nesse ínterim houve muitos estúpidos que fizeram estupidez e exploraram muita gente em nome do Criador de Todas as Coisas. Mas todos fracassaram! Infelizmente a Ganância parece ser mais forte que a vontade de liberdade.

            Quiçá se sacis bagunçando e fazendo travessuras, consigam algum dia chamar a atenção dos homens para suas loucuras de amontoarem coisas à custa de outros homens?
                                                                                                                             Washington Cruz

[1] Tiago 5:1-6
[2] Marx, Karl - Manifesto do Partido Comunista Pg64-65. Ed. Martim Claret “A Obra Prima de Cada Autor”
fonte da imagem: http://alfabeclicando.blog.uol.com.br/arch2010-08-01_2010-08-15.html

3 comentários:

  1. Baum, ficou baum, mas o lance da fumaça, bom, lembra a erva, mas vc jah sabia disso...
    Karl era ateu, imagine um ateu vendo um saci!!! Só se ele - o saci - viesse com a fumacinha original. O lance é o caximbo do saci..

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  2. Excelente amostra de ecletismo cultural e valorização da identidade nacional, e um tanto subersivo com certeza, :)

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